O filme Nise, no coração da loucura não é grande pelos efeitos sonoros e de imagem. Neste aspecto é um filme “barato”. Mas, é um grande filme, que deve ser visto, porque recupera, merecidamente, a figura de uma grande mulher, psiquiatra e terapeuta, a primeira mulher brasileira a se formar em medicina, na Faculdade de Medicina da UFBA, única numa turma de 156 homens. Ela se chamava Nise da Silveira (1905-1999). O filme foi lançado em abril, premiado no Festival de Cinema de Tóquio e sucesso no Festival de Cannes de 2016.
Muitos já ouviram falar de Nise, mas seu nome perdeu-se nas brumas da memória brasileira. É uma figura da maior importância, pioneira no Brasil na luta antimanicomial e contra o tratamento com eletrochoques e lobotomia. O filme é importante também pelo fato dela ser mulher, lutando contra uma mentalidade arqui-machista-escravocrata que imperava na sociedade e nas faculdades brasileiras e, depois, na máquina dominada por homens proto-fascistas na estrutura manicomial no Rio de Janeiro. Tudo isso torna a figura dela ainda mais interessante.
Ela ficou presa sob a Ditadura do Estado Novo por quase dois anos. Foi amiga de Graciliano Ramos e influenciada pela psicologia analítica, sobretudo as mandalas, de Carl Jung. Nise usou o que hoje se chama arte-terapia para dar uma vida melhor a seus “clientes” (ela recusou a trata-los de pacientes, eram os médicos e enfermeiros que deveriam ser pacientes). Usou também os cães como coadjuvantes, aos quais denominava de co-terapeutas. Pagou um preço enorme pelas suas convicções.
Mário Pedrosa, figura da maior importância contestatária do estalinismo no Brasil do Estado Novo, que lutou toda a vida pela construção de um partido independente dos trabalhadores, era amigo de Nise e um de seus maiores incentivadores no uso da arte-terapia. Pedrosa tornou-se, com a fundação do PT, no seu Presidente de Honra, mas, com certeza, hoje estaria amargando sua história recente. Pedrosa (ver biografia A solidão revolucionária de José Castilho Marques Neto) defendeu a arte livre e independente e foi o maior crítico de arte no Brasil de seu tempo. A importância do inconsciente, longe de tornar a arte “irracional”, ao contrário, dotava o homem-artista de uma poderosíssima arma para a emancipação humana. Não foi por acaso que Pedrosa foi o único pensador socialista a apoiar Nise da Silveira da forma como ele a apoiou. Ela conseguiu levar a produção artística de seus clientes em exposições no exterior e o próprio Jung se tornou um grande admirador de sua obra terapêutica, única no mundo de então. Hoje, a arte-terapia se tornou um método terapêutico muito difundido para organizar a razão-emoção dos esquizofrênicos. Não por acaso, Spinoza foi um dos seus mais importantes maître-à-penser. Para Spinoza, razão e emoção são dimensões de um único e mesmo processo.
Assista o filme Imagens do inconsciente, com texto de Nise da Silveira e roteiro de Leon Hirszman
Assista também a entrevista de Nise da Silveira à Leon Hirszman, em abril de 1986, que transformou-se no posfácio de filme Imagens do inconsciente.
Conheça o Museu Imagens do Inconsciente e assista o vídeo sobre o museu.
Conheça mais sobre a biografia de Mario Pedrosa, por José Castilho, clicando aqui.