sento-me frente à tela
sonhando com o mundo.
.Desejo saltos, recortes escuros na imensidão
desejo o lá fora.
Sento-me à frente da tela
esperando o mundo.
Tenho pés e mãos atadas
às banalidades do acaso.
Sento-me frente à tela
e contemplo o vazio
esperando o mundo.
Atrás da tela
todos os pixels fingem a vida.
Fingem até os pincéis de Da Vinci
e os verdes olhos Kalu.
Mundos se descortinam
vivendo mentiras
no conforto fácil do sofá
e do ventilador.
–
não gosto dos tempos que correm
sem afeto ou permanência
não quero o tempo que escorrega
como areia fina pelos dedos
e que fica sendo incômodo:
aquele resto de tempo que não deu
pra limpar, que a água não
escorreu, que restará sempre ali
colado, insistente,
emprenhando o instante, que quer se libertar.
Eis o tempo que se vai, não vê?
Não. Gosto do tempo que se demora
dos dias lentos,
das calmarias
da mansidão que guarda dentro de si
todos os raios
e ventos e trovões
e que por isso, por dentro, por intenso, e puro e verdadeiro
quer a vida
e quer o tempo
lento,
sendo.
lascivamente o tempo
se arrastando
na pele
nos pelos
nos quadris que bolem
no chinelo que arrasta
no perfume que resta
na carne viva
no eterno instante
o tempo.
–
a náusea
a sombra
a languidez da brisa.
o apelo
o medo
o desvelo
e este barco.
o rio
as águas
o abismo.
o eu
o deus
o vazio
e este instante.
Jamile Gonçalves