Quem pesquisa história das ciências da saúde sabe que a literatura sobre instituições de ensino médico existentes no Brasil já não é pequena. E mesmo algumas faculdades e escolas médicas, por serem mais antigas, contam com mais de um título que de alguma forma buscam contar sua história. Mesmo sendo um número elevado de livros, tais trabalhos padecem quase todos da mesma, vamos expor assim, tendência: são obras escritas por médicos cheios de boas intenções, mas afetivamente tão ligados às casas onde se formaram, que acabam produzindo trabalhos que são demasiadamente ufanistas, eu ousaria dizer, quase um “samba exaltação”. Às vezes mais memorialísticos do que propriamente historiográficos ou então excessivamente descritivos em uma linha de narrativa da história muito positivista, sem a interpretação mais analítica e contextualização dos fatos como reza a cartilha das modernas pesquisas históricas. Por outro lado, não seria exigir demais que médicos que não tenham formação específica produzam tais estudos?
Nem sempre. As exceções existem e uma delas é A Faculdade de Medicina da Bahia na Visão de Seus Memorialistas (1854-1924), de Marcos A. P. Ribeiro. A faculdade baiana, sendo a escola primaz do Brasil, como não poderia deixar de ser, tem vasta literatura e fontes de referência, mas que padecem dos males já citados. Neste livro, o autor, sem ter a pretensão de contar toda a história da faculdade, acompanha os fatos através do olhar de seus memorialistas, que eram professores escolhidos para escrever os principais acontecimentos de determinado ano, e faz um recorte temporal que vai do Império à Velha República, delineando o perfil e as transformações do ensino médico de então em diversos aspectos, sempre de forma lúcida, crítica, sem ser contundente ou mesmo desnecessariamente ácido, apenas honesto, pois como o próprio diz na conclusão: “A FMB merece a verdade”.
Marcos A. P. Ribeiro não só ultrapassa a barreira do “livro de médicos feito para médicos que ali estudaram”, como também vai muito além das fronteiras da Bahia, pois seu estudo interessa a qualquer um que queira entender a marcha do ensino médico no Brasil, principalmente quando lembramos que entre 1808 e 1898 só existiam Faculdades de Medicina em Salvador e no Rio de Janeiro.
Esgotado há muitos anos esta segunda edição chega em boa hora. Nenhuma linha mudou, e nem precisa, pois, o texto não envelheceu como costuma acontecer com os clássicos. Mas ganhou ilustrações e um acabamento gráfico bem mais caprichado condizente com a sua importância. Talvez esta fosse a principal falha da primeira edição, a modéstia gráfica, que não transmitia nada do que o livro significa. Com este relançamento, o trabalho prossegue assim a sua missão de servir de referência e inspiração para outros pesquisadores do tema.
Por José Maria de Castro Abreu Junior[1]
[1] Médico pela Universidade Federal do Pará (UFPA) onde é professor de sua especialidade, Anatomia Patológica. Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Doutorando em História Social pela UFPA.