A Fome é um menino magro
de barriga inchada
de pernas finas como dois gravetos
insistentes e tímidos
que teimam em sustentar a carne
Viajada, a Fome Faminta,
mora por toda a parte
mas passa férias no Biafra
E é de lá que envia postais
sem nenhuma arte
para a National Geographic
A Fome
é uma senhora gorda
e cheia de plásticas
Tem os braços enroscados
em argolas caras
e um pescoço duro
de colares de diamantes raros
Ávida e azeda,
traída por flatulências,
essa Senhora coleciona todos os tipos de bolsas
mas prefere as de valores
A Fome é linda
quando aparece no Cinema
e essa beleza mata
enquanto ganha um oscar
Com os olhos inflados de glórias
e distribuindo autógrafos
ela, a Fome, escreve suas memórias
A Fome é farta
nas longas mesas de banquetes
onde se pede que a precedam
por aperitivos e canapés
Ela está em cada um dos cem convidados
e em cada um dos milhares de garfos
eternamente ausentes
A Fome cutuca os ricos
duas ou três vezes por dia
mas no Pobre gruda
como um carrapato
Paradoxal, a Fome também está
em uma estranha epidemia americana:
a Gordura
Ela grita de obesidade
pelos poros dos que dominaram o mundo
A Fome está no açúcar que foi queimado
e naquele que já não foi
Viscosa, ela escorre pelo ralo
para atender ao Mercado.
Lá vai ela, sorrateira,
entre caixas de tomates não comidos
sob a triste forma de leite derramado
Traiçoeira, a Fome é vingativa
Está nas prostitutas que venderam seus corpos
para terem um prato
mas é Ela, somente Ela
a Grande Prostituta
anunciada pelos profetas que morreram
em longas greves de fomes
A Fome é indecente
mas se veste bem
Como o Diabo: veste Prada
e como um duende se esconde
no caroço de uma empada
A Fome é alta costura:
Perfeita para poucos,
mas pesando sobre muitos outros,
ela rebola de bunda murcha
e finge estar na moda
Lá vai ela, a Fome
rolando pelas estradas
espiando pelas viseiras
seletiva nos seus destinos
Ela vive, quando se diz
que há muito já se acabou
(e até sorri com isto)
A Fome, covarde e cínica,
esconde-se nas estatísticas
manipuladas
e arranha rins e entranhas
através de complicados cálculos
matemáticos
A Fome está (ou estava)
nas oito pessoas que dela morreram
quando tu lias este poema
Não há como escapar da fome:
ela está na miséria e na opulência
Escapa-se, sim, através da Morte
quando ela se torna mais um número
previsto pelo Planejamento
Mas a fome não está só nos que morreram
e não apenas nos que não comeram
A Fome também está nos que foram enganados:
nos que pensam que sobreviveram
O Olho da História Laboratório de Reflexão Transdisciplinar